Passados muitos anos desde que se tornou no primeiro português a ser distinguido com a medalha de JUSTO ENTRE AS NAÇÕES, atribuída a título póstumo pelo Estado de Israel em 1967, e desde que Mário Soares, no exercício do cargo de presidente da República, lhe atribuiu em 1987 a ORDEM DA LIBERDADE na Embaixada de Portugal em Washington (EUA), finalmente Aristides de Sousa Mendes teve o reconhecimento maior pelo seu inigualável feito humanitário, universalmente conhecido, com a inauguração do Museu em sua memória na Casa do Passal, sua antiga residência em Cabanas de Viriato, no sábado, 19 de Julho, passados precisamente 139 anos sobre a data do seu nascimento.
Muitos passos foram dados até que se consumasse este reconhecimento ao cônsul português em Bordéus que, contrariando ordens superiores, passou vistos que salvaram mais de 30 mil refugiados das perseguições da segunda guerra mundial, mesmo ciente do risco que isso representava para a sua carreira diplomática e para o sustento da sua numerosa família, de 12 filhos na flor da idade. Na força da sua fé cristã, terá decidido: «Se é preciso desobedecer, eu prefiro que isso seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus.» (citação de Rui Afonso no livro “Injustiça - O Caso Sousa Mendes”).
Os primeiros passos começaram com a sua reabilitação na carreira diplomática, a título póstumo, em 1988, por deliberação da Assembleia da República, sob proposta do deputado Jaime Gama; o lançamento do livro «Injustiça - O Caso Sousa Mendes», em 1990, pelo biógrafo Rui Afonso, emigrante no Canadá; a atribuição da Grã-Cruz da Ordem de Cristo, em 1995, pelo presidente da República, Mário Soares; a homenagem que o Parlamento Europeu lhe prestou em 1998, em Estrasburgo; a prescindência, por parte da família, da indemnização concedida pelo Estado Português aquando da sua reabilitação, cedendo-a à Fundação Aristides de Sousa Mendes (FASM) para a aquisição do Palácio Sousa Mendes, mais conhecido por Casa do Passal; e a celebração dessa aquisição em Abril de 2001 entre os accionistas do imóvel e a FASM, na altura presidida por Maria Barroso, esposa de Mário Soares.
Nos passos seguintes destacam-se o protocolo celebrado pela Universidade de Coimbra com a FASM em Julho de 2002 visando a colaboração na divulgação da causa de Aristides de Sousa Mendes; o trabalho voluntário de limpeza, remoção de escombros e escoramento da Casa do Passal, tornando-a visitável provisoriamente, desenvolvido em Outubro de 2004 por António Rodrigues e João Crisóstomo, portugueses emigrantes nos EUA; a homologação da classificação do imóvel como monumento nacional, em Fevereiro de 2005, pela ministra da Cultura; o estudo do estado de conservação do imóvel pelo arquitecto Carlos Amaral, da Direcção Regional dos Edifícios e Monumentos do Centro, em 2005; a inspecção às estruturas do imóvel pela empresa OZ, em 2006; o parecer favorável do Conselho Consultivo do IPPAR, em 2007; a publicação do projecto de decisão relativo à fixação da Zona Especial de Protecção, em 2017; a aprovação da candidatura de requalificação e musealização da Casa do Passal, em Junho de 2019; o contrato que tornou a Câmara Municipal comodatária da Casa do Passal, assinado com a FASM em Maio de 2020; o protocolo de gestão e funcionamento da Casa do Passal, estabelecido em Dezembro de 2020 entre a Câmara Municipal, a FASM e a Direcção Regional de Cultura do Centro; e o início das obras de requalificação daquele edifício e anexos, em Agosto de 2022.
Assim que a requalificação foi protocolada logo o presidente da Câmara Municipal de Carregal do Sal, Paulo Catalino Ferraz, apontou a inauguração do museu para o dia 19 de Julho de 2024, por sinal, apenas três meses depois de se terem completado 70 anos sobre a data da morte (03 de Abril de 1954) de Aristides de Sousa Mendes; e, de facto, assim aconteceu, num momento importante e há muito esperado pela família, pela FASM, pelos habitantes de Cabanas de Viriato e do concelho Carregal do Sal e por quem lutou pela reabilitação do cônsul injustiçado e pela divulgação dos seus valores e do seu acto de coragem.
Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República, presidiu a cerimónia, iniciada cerca do meio-dia com as honras de recepção, prestadas com o Hino Nacional, executado pela Banda Filarmónica de Cabanas de Viriato, e com a continência de uma formatura de bombeiros voluntários das corporações de Carregal do Sal e Cabanas de Viriato, perante muitas outras individualidades, familiares de Sousa Mendes e de refugiados que o mesmo salvou, activistas da causa do herói cabanense, autarcas de vários concelhos, representação associativa concelhia, crianças do ensino escolar (com bandeiras dos países onde Aristides trabalhou) e muitos populares. Entre as individualidades contavam-se embaixadores (Alemanha, Arábia Saudita, Áustria, Bélgica, EUA, França, Israel, Luxemburgo, Panamá), a ministra da Cultura, o secretário de Estado das Comunidades, o secretário de Estado do Turismo, o chefe de Gabinete do Ministro dos Negócios Estrangeiros, deputados, a presidente da CCDRC, o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura, o director do Instituto Diplomático, representantes das cidades onde Aristides foi cônsul, o director do Panteão Nacional, o bispo de Viseu, a juíza presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, comandantes da GNR, o secretário-geral do PS, o director do Santuário de Fátima, diretores da FASM, da Sousa Mendes Foundation e do Comité Sousa Mendes, e João Crisóstomo, activista da causa de Aristides de Sousa Mendes.
A inauguração do museu foi assinalada com o descerramento da respectiva placa, acto que o presidente da República executou no interior do edifício juntamente com Dalila Rodrigues, ministra da Cultura, e Paulo Catalino, presidente da Câmara. Seguidamente, Marcelo Rebelo de Sousa e acompanhantes apreciaram as múltiplas dimensões da história de Aristides de Sousa Mendes, patentes nas nove salas que acolhem o legado deste “salvador e herói de consciência”.
Cerca de 800 convidados deram, depois, impressionante moldura à sessão solene, numa tenda montada no jardim do museu. Usaram da palavra o presidente da Câmara, três familiares de Aristides de Sousa Mendes (António Moncada, Gerald e Silvério), a ministra da Cultura e o presidente da República.
Disse o autarca: “Tenho a profunda convicção de que este é o exacto momento em que o povo português e o mundo prestam a mais que justa homenagem a Aristides de Sousa Mendes, de forma realista perante um dos maiores benfeitores da história da Humanidade”. Referiu também que a abertura do Museu, ao fim de tantas décadas de apelos, avanços, burocracias, recuos e esmorecimentos, repõe de forma expressiva a dignidade ao cônsul Sousa Mendes, fazendo jus à pessoa e ao seu acto heróico, sem precedentes, de salvar da morte milhares de pessoas durante a II Guerra Mundial.
Afirmou António Moncada, referindo-se à abertura do museu, que o avô lhes deixou “a mais bela das heranças, mais valiosa do que qualquer fortuna”. Gerald Sousa Mendes recordou os anos em que a Casa do Passal esteve em ruínas até ganhar “nova vida” e agradeceu a todos os envolvidos na sua recuperação. Silvério Sousa Mendes, emocionado, expressou a sua gratidão para com os bisavós Aristides e Angelina, pelo legado que deixaram ao mundo e pelo exemplo de abnegação, “sacrificando interesses pessoais, familiares e profissionais”.
Na sua vez, o presidente da República considerou Aristides de Sousa Mendes como personalidade “única do século XX” e um “herói, único e singular”, que deixou um legado para o futuro e para o mundo, frisando que, também por isso, o museu inaugurado é universal.
Além daquelas intervenções, foi transmitida uma mensagem videogravada de António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), exaltando o exemplo de bravura e inspiração de Aristides de Sousa Mendes para a defesa dos direitos humanos; e João Crisóstomo, grande activista da causa de Sousa Mendes, leu uma mensagem do Papa Francisco, de que era portador, com o seguinte teor: «É com alegria que, por ocasião da inauguração do Museu Aristides de Sousa Mendes, saúdo e uno-me de coração a todos os que estão em Cabanas de Viriato, não só para prestar homenagem, mas para beber do legado de um homem que é especialista em humanidade, entre as nações.».
Depois do almoço, servido na mesma tenda, todos tiveram as portas franqueadas para uma visita mais pormenorizada ao museu, em grupos que se iam revezando de forma controlada. Viu-se emoção nos rostos de descendentes de refugiados ao reconhecerem familiares nas fotos, nos vistos e noutros objectos que fazem parte do importante acervo do museu.
O programa da inauguração do museu incluiu ainda a recepção dos convidados no jardim da Casa do Passal e um tributo a Aristides de Sousa Mendes no Centro Cultural de Carregal do Sal, no dia 18; o espectáculo "Aristides - O Concerto" no dia 19, também no Centro Cultural; a recepção à população no jardim da Casa do Passal e o espectáculo “Ecos do Passal” no Centro Cultural, no dia 20.