domingo, 3 de janeiro de 2021

Dia Internacional da Tolerância e da UNESCO

 


A assinalar o Dia Internacional da Tolerância e da UNESCO, consagrado por esta organização para o dia 16 de novembro (aniversário da criação deste organismo, que conta com 75 anos), enfatizamos a importância da tolerância, num mundo marcado pelo extremismo, fanatismo e ódio, lembrando a entrevista da equipa do projeto “Dever de Memória – jovens pelos direitos humanos” do Agrupamento, ao Jornal Defesa da Beira e ao Farol da Nossa Terra,  a propósito da exposição coletiva e itinerante “SER Consciência… 30/1000 por 1VIDA”, caminhos da MEMÓRIA, cuja inauguração decorreu no passado dia 11 de outubro,  na Casa do Passal, e acerca do trabalho desenvolvido, na comunidade, ao longo destes seis anos do projeto.

A Equipa UNESCO

 

Exposição colectiva "SER Consciência...30/1000 por 1VIDA - Caminhos da Memória”

Promovida pelo projecto UNESCO “Dever de Memória - Jovens pelos Direitos Humanos”, do Agrupamento de Escolas de Carregal do Sal, a exposição colectiva “SER Consciência…30/1000 por 1VIDA, caminhos da Memória” vai estar patente na Casa do Passal, antiga residência de Aristides de Sousa Mendes em Cabanas de Viriato, no próximo domingo, 11 de Outubro, das 14h30 às 18h30, no âmbito do programa nacional ”Nunca Esquecer”, aprovado em Conselho de Ministros e apoiado pela Comissão Nacional da UNESCO e pela Direcção Geral da Educação.

Além da contribuição dos artistas plásticos Josefa Reis e Victor Costa na organização e divulgação, o evento conta com a parceria da Câmara Municipal de Carregal do Sal, da Junta de Freguesia de Cabanas de Viriato e da Fundação Aristides de Sousa Mendes.

Realizada num conceito minimalista e simbólico, de apenas um dia, a exposição será o ponto de partida para um conjunto de mostras artísticas itinerantes, a começar pelo Núcleo Museológico das Escolas Primárias de Carregal do Sal, instalado no edifício da antiga escola Conde Ferreira, em área do moderno Parque Alzira. Pretende-se que constitua uma ferramenta de reflexão por parte da comunidade escolar e educativa na evocação dos 80 anos do acto de consciência de Aristides de Sousa Mendes, cognominado "Justo entre as Nações".

Cumprindo as restrições relativas à pandemia Covid-19, a lotação máxima permitida de público é de 10 pessoas de cada vez, mas a apresentação da exposição poderá ser vista em directo na página de Facebook do projecto "Dever de Memória - Jovens pelos Direitos Humanos".

O Núcleo Museológico das Escolas Primárias acolherá a exposição a partir do dia 13 de Outubro e até meados de Novembro, do corrente ano 2020.

A organização desta exposição deu agora oportunidade a uma entrevista, já apalavrada há algum tempo, com a professora do ensino secundário Dores do Carmo Fernandes, coordenadora da equipa do projecto UNESCO do Agrupamento de Escolas de Carregal do Sal e do respectivo projecto “Dever de Memória-Jovens pelos Direitos Humanos”.

 

ENTREVISTA

 

DB (Defesa da Beira) - O que motivou, em 2014, a criação do projecto “Dever de Memória-Jovens pelos Direitos Humanos”?

DC (Dores do Carmo) -Após a formação num seminário internacional em 2013, na Escola Internacional do Yad Vashem, em Israel, senti-me motivada para criar um projecto subordinado à temática do Holocausto e dos Direitos Humanos, a desenvolver com os alunos do Agrupamento de Escolas de Carregal do Sal. Este projecto foi integrado numa proposta de candidatura a Escola Associada da Rede UNESCO, que nos chegou ao Departamento de Ciências Sociais e Humanas. Foi com esta ideia a germinar que desafiei a colega Josefa Reis, que veio posteriormente a frequentar o mesmo curso de formação em Jerusalém, e a colega Helena Romão, para constituir a equipa, e foi assim, a várias mãos, que nasceu este projecto.

 

DB - O que vos impeliu a criarem o projecto?

DC -Sentimos que, actualmente, predomina a indiferença em relação ao outro e ao sofrimento humano, numa sociedade vazia de valores. Veja-se, por exemplo, as reações na questão dos migrantes, o racismo e a cultura de ódio. Acreditamos que a educação é o caminho para a mudança de mentalidades. O facto de sermos professoras do Agrupamento de Escolas do concelho de Aristides de Sousa Mendes deu-nos o mote, pois este Cônsul é o farol perfeito para o projecto. Temos, desde 2004, na Escola Básica Aristides de Sousa Mendes um tributo de homenagem a este “Justo entre as Nações”, edificado no exterior e composto por 10 elementos escultóricos que fazem a súmula da sua vida, único no país. A colega Josefa Reis, na sua tese de mestrado em Artes Plásticas, apresentou a dissertação “Questões plásticas na simbólica dos tributos de Cidadania: Aristides de Sousa Mendes”, o que poderia suportar a vertente artística do projecto. Sempre foi filosofia da Escola acolher grupos de alunos no âmbito de intercâmbios escolares, com o objectivo de educar para a interculturalidade, tópico que norteava esta equipa, de forma sistemática, no ensino e aprendizagem em contexto de sala de aula. O projecto fazia todo o sentido para materializar a candidatura à UNESCO, pois as boas práticas educativas em prol dos Direitos Humanos já faziam parte da cultura de Escola.

 

DB - A nível do Agrupamento, que importância tem tido o projecto?

DC- O projeto, no nosso entender, tem trazido alguma dinâmica ao Agrupamento, envolvendo todos os ciclos de escolaridade, mas incide principalmente no 9.º ano e no secundário, por considerarmos que os alunos têm mais maturidade para compreender as temáticas abordadas. Temos procurado mobilizar outras áreas disciplinares, promovendo a desejável interdisciplinaridade, uma vez que os temas são transversais. O projecto configura-se como uma ferramenta privilegiada na abordagem a vários temas da área disciplinar de Cidadania e Desenvolvimento, no âmbito da Autonomia e Flexibilidade Curricular. A equipa ficou reduzida com a saída da docente Helena Romão, que na Figueira da Foz desenvolve, no seu Agrupamento, um projecto similar, designado “Figueira da Foz, Farol da Liberdade”. Actualmente é coordenada, a par, por mim e pela colega Josefa Reis, docentes das áreas complementares de História e Artes, que contam com a colaboração, sempre que necessário, de outros docentes, nomeadamente das colegas Aldina Mendes, Edite Nora e Isabel Várzeas, assim como com outras parcerias pontuais na concretização das actividades que integram o nosso plano anual.

 

DB - Que acções de maior destaque têm sido desenvolvidas nestes seis anos de existência do projecto?

DC- Têm sido diversas as acções desenvolvidas e destinadas à comunidade escolar e educativa, como palestras, que designámos “Encontros de Autor”, com historiadores, escritores e artistas, como Cláudia Ninhos, Luize Valente, Celeste Cortez e José Ruy, mas também convidando descendentes de refugiados que receberam o visto de Sousa Mendes, como Joan Halperin, autora do livro “My Sister´s Eyes (explorado numa turma de 9º ano) e Cookie Fisher; exposições e outras actividades nas Escolas do Agrupamento a assinalar efemérides, tais como o Dia da Saúde Mental, o Dia Internacional da Tolerância, o Dia Internacional dos Direitos Humanos, o Dia em Memória das Vítimas do Holocausto, para destacar as mais recorrentes; visitas de estudo a locais de memória no país e no estrangeiro, de que são exemplo o Pólo Museológico Fronteira da Paz, em Vilar Formoso, a cidade de Bordéus, onde, no exercício das suas funções consulares, Aristides de Sousa Mendes terá emitido vistos aos refugiados, e o Campo de Concentração de Auschwitz, na Polónia (no próximo ano faremos a terceira viagem); intercâmbios culturais com outras escolas do país; e acolhimento de grupos na Casa do Passal, como o grupo de participantes na viagem “Journey on the Road to Freedom” promovida pela Sousa Mendes Foundation, a qual tivemos o privilégio de integrar em 2018, num cariz pedagógico, em representação dos docentes portugueses.

Paralelamente, temos investido na formação da equipa, através da frequência de acções de formação sobre a temática, promovidas por várias organizações, nomeadamente a Memoshoá (Associação Memória e Ensino do Holocausto), o TOLI (The Olga Lengyel Institute) e a Direcção-Geral da Educação. Aconvite do Yad Vashem e da Memoshoá, também dinamizámos uma sessão de formação destinada a outros educadores, partilhando, neste período de pandemia, numa conferência on-line para 140 educadores de vários países (Portugal, Brasil, Israel, Bélgica, França, Espanha, Venezuela, Peru e EUA), a abordagem da temática do Holocausto em sala de aula, através da exploração pedagógica do livro “My Sister´s Eyes”, de Joan Halperin, que também participou na sessão. Neste ano, em que se assinalam os 80 anos do acto de Aristides de Sousa Mendes, deslocámo-nos ao Luxemburgo, em visita à exposição “Aristides de Sousa Mendes, um cônsul português entre a consciência humana e a razão de Estado”, patente nos arquivos nacionais da cidade, para cuja inauguração a equipa tinha sido convidada pela Sousa Mendes Foundation, oportunidade à qual se acrescentou a partilha do projecto em duas escolas onde se ministra o Curso de Língua e Cultura Portuguesa, actividade planificada pelo coordenador de Ensino Português, Dr. Joaquim Prazeres. Sempre que solicitado, damos o nosso apoio aos mais variados eventos que tenham uma ligação à temática do projecto e, através da arte, em acções de cidadania, como no “Cordão Humano ASM” em 2014, na Grande Gala da ASM, nos EUA, em 2016, na atribuição da Grã Cruz da Liberdade, em 2017, pelo Presidente da República, e no apoio ao Teatro Musical “Aristides- o Musical”, da Contracanto Associação Cultural, com a criação dos passaportes do musical e da folha de sala no mesmo formato, um elemento da autoria da Josefa Reis, e que se tornou emblemático e simbólico como certificado de presença do Projecto UNESCO. Acrescentar, também, que temos investido, como forma de divulgação, na criação de material multimédia e gráfico. Exemplo disso é uma publicação anual, desde a criação do projecto em 2014, onde figuram todas as atividades, constituindo um registo de memória e partilha.

 

DB - O projecto "Dever de Memória" teve alguma influência na recente criação do projecto nacional "Nunca Esquecer"?

DC- O nosso Projecto UNESCO tem concretizado um trabalho de forma sistemática, desde a sua criação, em prol da memória, pelo que está estruturado em três eixos fundamentais: a formação, a educação e a divulgação/memória. O princípio de “não esquecer” foi sempre norteador nas várias acções realizadas na comunidade educativa, onde os trabalhos espelham a articulação entre as áreas de História e Artes. Temos também levado este projecto aos encontros de formação que temos frequentado, promovidos por diversos organismos, como Memoshoá, UNESCO, TOLI, Yad Vashem, Memorial de la Shoáh e Direcção-Geral da Educação, onde estão sempre presentes várias entidades oficiais. Quando foi anunciado o programa nacional “Nunca Esquecer”, aprovado em Conselho de Ministros, sentimos a alma cheia por sabermos que temos trilhado um bom caminho, que vamos partilhando nas redes sociais e no blogue do projecto. Acreditamos que o trabalho desenvolvido por todos, na senda da memória do Holocausto, é uma semente que dará frutos.

 

DB - Como responsável da equipa do projecto "Dever de Memória", que importância atribui ao projecto "Nunca Esquecer"?

DC- Para nós, este programa é da maior importância nacional e internacional. Estudar o passado para compreender o presente e prevenir o futuro é uma das orientações do projecto UNESCO do Agrupamento e acreditamos que é esse mesmo objectivo que move o trabalho proposto pelo programa “Nunca Esquecer”. Não há dúvida que é cada vez mais premente que se trabalhe esta temática! A integração de Portugal como membro permanente no IHRA (International Holocaust Remembrance Alliance), em janeiro de 2020, e tendo em conta que, apesar da neutralidade face à 2ª Guerra Mundial, estivemos envolvidos no esforço do conflito, do lado nazi, como recentemente veio à luz pela investigação da equipa do professor Fernando Rosas, da Universidade Nova, facto desconhecido de muitos portugueses (como é exemplo a recente descoberta da história do tio-avô da colega Josefa Reis), assim como termos quatro “Justos entre as Nações” (Aristides de Sousa Mendes, Padre Joaquim Carreira, Sampaio Garrido e José Brito Mendes), facto muito expressivo num país tão pequeno como o nosso, justificam a criação desse projecto.

 

DB - O que espera daqui em diante deste novo projecto, de âmbito nacional? 

DC- Esperamos que as propostas de trabalho apresentadas no programa sejam concretizadas com sucesso. Os eixos de intervenção - educação, investigação, memória e divulgação - possibilitam o envolvimento de vários organismos institucionais e da sociedade civil. Todos os contributos enriquecerão a memória do Holocausto e a homenagem às vítimas e aos “justos”, mais do que merecida.

 

DB - A exposição “SER Consciência…30/1000 por 1VIDA, caminhos da MEMÓRIA” teria surgido sem o projecto "Nunca Esquecer"?

DC- Sim, era nosso propósito assinalar os 80 anos do acto de consciência de Aristides de Sousa Mendes, iniciativa que já estava estruturada no Plano Anual de Actividades 2019/20 do Agrupamento, como é habitual assinalar efemérides, no âmbito do projecto. Estava também delineada uma exposição que envolvesse a arte, num conjunto de iniciativas em formato de workshops, com os parceiros envolvidos no “Reviver o Passal…com Angelina e Aristides”, nomeadamente a Junta de Freguesia de Cabanas de Viriato e a Fundação Aristides de Sousa Mendes, mas a sua estruturação foi alterada devido à pandemia. O conceito do “SER Consciência” começou com a criação do painel de azulejos, que se encontra no átrio da Escola Básica Aristides de Sousa Mendes, em formato de livro de honra, e com o contributo para gravação do filme “L’héritage d’Aristides” de Patrick Séraudie, da Pyramide Production.

 

DB - O que é que a exposição vai mostrar?

DC - Vai materializar o evento do passado mês de Junho de 2020, para o qual contámos com o artista plástico Víctor Costa, de Coimbra, realizado em suporte on-line, devido às contingências provocadas pela pandemia Covid-19, que visou assinalar os 80 anos do acto de consciência de Aristides de Sousa Mendes, numa evocação do período da passagem febril dos vistos, dias 17, 18 e 19 de Junho de 1940. Essa materialização da exposição com o mesmo nome, à qual acrescentámos “caminhos da memória”, continua a contar com a colaboração de Víctor Costa, e mobilizámos outras parcerias, como a Câmara Municipal de Carregal do Sal, a Junta de Freguesia de Cabanas de Viriato e a Fundação Aristides de Sousa Mendes, contando ainda com o apoio da Comissão Nacional da UNESCO, da Direcção Geral da Educação e da comissária do programa “Nunca Esquecer”. Faz todo o sentido começar na Casa do Passal, pois, além do simbolismo do espaço, representa um privilégio para todos que pela arte se associam a mais um tributo a quem foi tão injustiçado. Nesta exposição estão representadas várias áreas artísticas, desde a pintura (óleo, acrílico, aguarela, café e outras), à escultura, à poesia, à música e ao cartoon, envolvendo artistas de vários locais, sobretudo nacionais, como Viseu, Coimbra, Porto, Figueira da Foz, Leiria, Aveiro e Lisboa, mas também do estrangeiro, nomeadamente dos EUA.

 

DB - Só um dia na Casa do Passal, não é pouco de mais para uma exposição com esse significado na antiga residência de Aristides?

DC- Este evento, num conceito minimalista, prima pelo simbolismo, não só do espaço, mas da valorização do momento. Trata-se de uma inauguração da exposição artística, representando o ponto de partida para outros locais de memória que acolheram refugiados portadores do visto de Sousa Mendes, constituindo uma ferramenta de reflexão nas diversas localidades da itinerância. O ideal seria que a exposição voltasse à Casa do Passal quando o museu for uma realidade, dado que a mesma será acrescentada com mais obras artísticas ao longo do seu percurso. 

 

DB - Que itinerário está prevista para a exibição da exposição?

DC - Da Casa do Passal irá seguir para o Núcleo Museológico das Escolas Primárias de Carregal do Sal, mantendo-se até meados de novembro. Está a ser tratada, com o apoio de vários artistas participantes, a sua mostra em Viseu, Figueira da Foz, Curia, Coimbra, Águeda, Porto, Leiria e Guarda ou Vilar Formoso, dependendo da receptividade das várias instituições em associarem-se a este projeto.

             

DB - Como desejaria que a exposição fosse vista?

DC- O ideal na apreciação de uma obra de arte é privilegiadamente o presencial, no entanto, dadas as circunstâncias de pandemia, pode ser difundida pelas plataformas virtuais. Temos a convicção de que a Arte, nas suas diversas expressões, é uma excelente ferramenta para reflexões e debates sobre os temas do Holocausto e dos Direitos Humanos. A intenção da exposição é levar os alunos, enquanto observadores, a construir novas narrativas sobre estes temas, desconstruindo estereótipos e preconceitos, numa abordagem do aprender a pensar e a fazer, desenvolvendo o espírito crítico e uma cultura de paz.

 

In “Farol da Nossa Terra”, 9 de outubro de 2020

Sem comentários:

Enviar um comentário

Participa com o teu comentário. Ele será útil para o debate e/ou, se for o caso, poderá ajudar a melhorar esta página. Obrigada