quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Testemunhos da Memória


O dia 19 de novembro ficou indelevelmente marcado na mente da plateia da Escola Secundária do Agrupamento de Escolas de Carregal do Sal. Os alunos de 9º ano e de 12º C tiveram o privilégio de ouvir o testemunho de Cookie Fisher sobre a história da sua mãe, Adele Van Den Bergh, judia holandesa que, graças ao visto, passado em 1940, em Bayonne, por Aristides de Sousa Mendes, fugiu da Europa, fixando-se nos Estados Unidos da América.
Esta iniciativa foi dinamizada pelo Projeto UNESCO “Dever de Memória - jovens pelos direitos humanos”, no âmbito da comemoração do Dia Internacional da Tolerância e da UNESCO e organizada em tempo record, pois dependia da vinda da oradora a Lisboa para gravação do testemunho para o filme “L´Heritage d’Aristides” de Patrick Séraudie`, a sair em junho de 2020 em França e da cortesia da Drª Mariana Abrantes, em providenciar a sua vinda à região.
Assim, a coordenadora, Dores Fernandes, contextualizou a atividade, estabelecendo uma relação entre a intolerância, a discriminação e a perseguição a grupos étnicos minoritários, nomeadamente no contexto da II guerra mundial e do holocausto.
Com base no diário da mãe, na época uma jovem de 25 anos decidida a fugir da guerra, Cookie contou que ela partiu sozinha da Europa, enquanto os seus pais escolheram ficar para defender os seus bens, acreditando que os aliados facilmente impediriam a Alemanha nazi de cometer qualquer atrocidade na Holanda ocupada. A sua viagem terá sido num barco sardinheiro de nome “Milena” e, por conseguinte, sem condições de transporte de pessoas, seriam cerca de cinquenta refugiados os passageiros. O nome da embarcação suscitou alguma perplexidade nos ouvintes, pois por coincidência é o nome da amiga de coração de Cookie Fischer, segundo reportou.
A convidada continuou o depoimento, referindo que a mãe relatou, no diário, a falta de condições, a fome ao longo de vários dias da viagem, além da incerteza em relação ao seu futuro e o sofrimento por abandonar a sua família. Referiu, também, que antes da viagem, para colmatar a falta de condições sanitárias, a sua mãe e outros refugiados compraram vários “bacios”, para que as pessoas não sentissem a sua dignidade ferida ao longo dos vários dias da viagem.
Em Portugal, viveu, temporariamente, na cidade do Porto, tendo depois emigrado para os Estados Unidos. Foi uma mulher corajosa, constatou a oradora, mas profundamente marcada por este drama, pelo que não lhe contou esta história, o que revelava a personalidade de uma mulher que em nada se parecia com aquela que conhecera e que certamente influenciou Cookie como uma cidadã cosmopolita, a viver em vários países e dominando fluentemente nove línguas., ferramenta que usa como professora universitária da disciplina de Interculturalidade e Comunicação.
A terminar, a convidada revelou a gratidão para com o cônsul português, a quem a sua mãe ficou a dever a vida e do qual teve conhecimento há poucos anos atrás, através do seu diário, que lhe proporcionou o conhecimento desse passado e do trabalho de investigação da Sousa Mendes Foundation, que tem vindo a organizar a iniciativa “Journey on the road to freedom”, um roteiro desde Bordéus até Lisboa - um porto de esperança na época - passando por Cabanas de Viriato e em que participam pessoas que receberam vistos ou seus descendentes, com o objetivo de lhe prestar homenagem.
A oradora, num estilo de grande simplicidade e em português fluente, cativou a plateia durante uma hora, seguindo-se um tempo de ativo e pertinente debate entre os alunos e a convidada.
No final da sessão, foi feita uma atividade interativa com os alunos, simulando uma situação de stress de guerra, com o objetivo de promover a reflexão sobre o que levar em momento de fuga, concluindo-se que prevalece a identidade de cada um, contrariada pelo apego aos bens materiais.
Ficámos com a convicção de que na mente dos alunos se lançaram sementes de tolerância e de respeito pela diferença, esperando que continuem a crescer nestes valores.  Resta manifestar a nossa gratidão à oradora, pela generosa disponibilidade em se deslocar à nossa Escola no curto tempo da visita a Portugal, à Dra. Mariana pelo apoio em mais esta iniciativa, e aos professores que acompanharam os alunos a sua inestimável colaboração. Finalmente, uma palavra de apreço ao Senhor Vice-Diretor pelo valioso apoio e, como habitualmente, à colaboradora D. Fátima Caldeira, pelo requinte de beleza do centro de mesa.


 Dores Fernandes e Josefa Reis
Fotos: Josefa Reis


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